Por João Pedro Cardoso
Muito mais que uma biografia, reflita. É possível, inclusive, puxar um gancho sobre histórias hegemônicas que são ditas e reproduzidas em todos os cantos por historiadoras que desdenham de jornais e da credibilidade de seus pares ou por pessoas que não querem reconhecer o erro em omitir algumas histórias na construção de um lugar. Lázaro Barreto é um dos principais memorialistas do centro-oeste e pouquíssimo conhecido em suas terras de origem. Aqui mesmo, Marilândia.
Lázaro é das famílias Oliveira Barreto, duas das mais importantes no processo de formação do distrito de Marilândia. Para se ter uma noção, foi a partir da família Barreto que se pressupõe ter nascido a Lira Musical Nossa Senhora do Desterro, segunda banda mais antiga de Itapecerica. Uma foto indica a presença de um grupo musical no começo do século XX, mais precisamente em 1905.
Barreto, quando ainda morava em Marilândia, trocou textos com o poeta, cronista e contista Carlos Drummond de Andrade. Inclusive Drummond mandou textos aos seus filhos logo após o nascimento. Já naquela época, demonstrava ser muito sensível para a textualidade. No blog que era alimentado pelo sociólogo formado no Inesp até pouco tempo, ele conta que “Sempre fui sério e tímido. Nunca aprendi a dançar. As moças da juventude me flertavam. Nunca consegui aproximar-me delas. Lembro-me que era bonito e inteligente. Sempre escanteado e solitário. Do princípio ao fim dos dias de vida.”
Sua primeira publicação aconteceu em 1969, Árvore no Telhado. Essa foi sucedida por Lapinha de Jesus, feita conjuntamente com Adélia Prado, que ainda estava no começo de suas produções. Na década de 90, começou sua trajetória como memorialista. Antes de escrever o Memorial do Desterro (1995), principal referência sobre a história de Marilândia, escreveu o Memorial de Divinópolis (1992) e História de Arcos (1992). Em uma das fantásticas vezes que estive com Lázaro, contou que um questionamento fez com que o Memorial do Desterro nascesse: “Eu já tinha escrito e guardado histórias de outros lugares. Por que não guardar as do meu lugar?” E assim fez.
Sucedendo, veio o livro Família Oliveira Barreto (2005), seu penúltimo livro, que serviu como complemento para as pesquisas feitas e publicadas em 1995 pela Diocese de Divinópolis.
Fazendo uma anacronia e voltando um pouco no tempo, é preciso falar sobre o movimento literário mais importante da região, o movimento Agora. Voltando de Belo Horizonte na década de 60 depois de participar de um importante movimento de vanguarda, Lázaro trouxe uma proposta de renovação das linguagens artísticas e até mesmo do padrão de se fazer um jornal. Chegando em Divinópolis, se enturmou com artistas que estavam em busca dessa mesma renovação, de uma nova linguagem. Para que isso acontecesse, contou com parceiros como Aristides Salgado e artistas plásticos. Heraldo Alvim, Valdir Caetano, Fernando Teixeira, Fabricio Angusto, Carlos Drummond de Andrade, Laércio Correa de Araujo, Afonso Ávila foram alguns dos envolvidos. O jornal Agora literário fazia intercâmbio com outras cidades como Cataguazes, Oliveira e Itapecerica, sempre com Lázaro a frente. Mesmo tímido, o prodígio nascido em Marilândia era o principal agitador e produtor cultural daquela época.
Claro que para se ter informações valiosas como essas, contei com a ajuda de amigos e contemporâneos do escritor. Meu principal apoio foi Osvaldo André de Melo, que durante as pesquisas contou que Lázaro foi quem o incentivou na publicação de seu primeiro livro, “A palavra inicial”, publicação do movimento Agora. A apresentação foi escrita por Lázaro e o prefácio por Bueno de Riviera. Também disse, em palavras envoltas de muita gratidão, que Lázaro marcou época em Divinópolis como editor, criador e ativista cultural.
Osvaldo contou uma passagem em que Lázaro achou uma revista, publicada no convento de Santo Antônio, dirigida por Frei Márcio, que tinha a mesma linha de pensamento que ele. Ali achou uma poesia assinada por “Franciscana” e isso motivou a entrada de Adélia Prado no jornal Agora. A partir daí, nasceu uma parceria que resultou no livro Lapinha de Jesus, assinado por Lázaro e Adélia.
Os lançamentos do jornal Agora, que normalmente aconteciam na semana de arte de Divinópolis, congregavam escritores do estado inteiro e até de outros estados. Haviam recitais de poemas, exposições de pintura. Estrategista que só, Lázaro criou a venda prévia das assinaturas e com esse dinheiro antecipado, o jornal era financiado.
Fazendo mais uma anacronia, voltamos ao Desterro, mais precisamente ao santuário. Lázaro foi o principal responsável pelo tombamento do Santuário de Nossa Senhora do Desterro pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico, o Iepha, em 2006. Foi ele quem fez relatórios e descrições. Foi ele que levou essa história barroca rural a todos os cantos do estado.
Obrigado, Lázaro! Esse seu empenho em guardar as histórias de Marilândia sempre será inspiração. Agora e sempre! Espero que essa mineração feita para o jornal “A Bateria” instigue um debate sobre os riscos do desprezo das histórias geograficamente marginais. Bem que dizem que o Espirito Santo abençoa, porque se dependesse da benção do Tamanduá, a gente ficava sem.
Gostei muito do artigo, sou nascida em Itapecerica e neta de Carmelo e Blandina. Fiquei muito feliz, em receber todo este material. Lembro, vagamente do meu avô, Lembro mais da vovó Blandina, em Itapecerica, onde morei por muitos anos!