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Carvalho! Cultura pra quem?

A história do Antigo Arraial do Desterro começa no século XVIII, quando um português, o Manuel Carvalho da Silva, ganhou uma das maiores sesmarias do centro-oeste das Minas Gerais. O homem, que todos conhecem como misterioso, presumivelmente veio da região de Coimbra, em Portugal. Naquela região há abundância de árvores do mesmo nome. Antigamente era muito comum que os sobrenomes que identificavam as famílias viessem de seus locais de origem. Segundo Lázaro Barreto (1995), um outro Manuel já estava nas minas de ouro desde o começo do século XVIII. Esse subscreveu o termo de fundação da Vila de Sabará em 1711, segundo o Livro I de Tombos do Museu Arquidiocesano de Mariana, e poderia ser pai do primeiro.

A princípio, Manuel construiu uma fazenda às margens do Ribeirão Boa Vista e, a uma légua de distância, construiu uma capela em honra a Nossa Senhora do Desterro. Para essa construção, existem duas teorias: a primeira que ele era um homem solitário e que não tinha família e, por isso, veio para o centro-oeste. Além disso, era um homem muito religioso e ergueu a capela por devoção a Nossa Senhora do Desterro, que é muito comum em Portugal, para de sua janela fazer suas orações. A segunda é que ele era um traficante de ouro e a igreja seria um ponto de orientação para a passagem do contrabando. Um detalhe é que o Desterro fazia parte da “Picada de Goiás”, caminho que ligava Pitangui ao estado de Goiás. Por ele, muitos bandeirantes sonhavam com as riquezas do ouro. Segundo estudos do mestre em geografia Leonardo Alves, em alguns pontos do rio Itapecerica, em Marilândia, foi encontrado o mineral. Depois das minas esgotadas em Goiás, os garimpeiros voltaram pelo caminho procurando locais que poderiam ter ouro e assim, os locais de extração foram encontrados em Marilândia.

Então vamos lá: para os trabalhos de pesquisa sobre Marilândia, a principal referência é um marilandense reconhecido nacionalmente por suas produções: Lázaro Barreto. O livro Memorial do Desterro, de sua autoria, conta a história do antigo Arraial do Desterro. Na produção bibliográfica que tem recorde de 1754 a 1930, o autor conta toda a formação do arraial, da paróquia e das manifestações culturais que ainda resistem no distrito. Dentro dessa história toda, existe um problema que impossibilita o acesso ao conteúdo pesquisado por Lázaro: quando publicado em 1995 pela Diocese de Divinópolis, a tiragem foi de apenas 500 cópias. Existe um esforço popular para que uma segunda edição totalmente digital seja lançada, mas ainda não há previsão.

Recentemente, uma discussão sobre conservação de patrimônio vem sendo amplamente instigada. Há dois anos, em setembro de 2018, um incêndio de enormes proporções atingiu um dos mais importantes museus do país, o Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Infelizmente, anos e anos de pesquisas foram perdidos por falta de manutenção naquele prédio de 202 anos, 64 anos mais novo que Marilândia. Quando coisas como essa acontecem, as perdas são imensuráveis.

O que uma coisa tem a ver com a outra? Bingo: o poder público! Todo o trabalho de restauração e de conservação é responsabilidade de municípios, estados e governo federal. Quando casas centenárias, como as que existiam em Marilândia, são derrubadas, muitas histórias são derrubadas junto. Talvez seja um problema na produção que vem das academias, não explicar que, muito além de prédios, memórias afetivas e histórias de pessoas que são apagadas quando não há investimento do poder público em conservação.

Mais uma vez voltando ao Desterro: Em 1832, ainda segundo Lázaro, a população do arraial era de 2.217 pessoas, sendo 1699 livres e 518 cativos. Ele ainda destaca: “... Mais que Candeias, Cristais, São Francisco de Paula, Santo Antônio do Monte e Luz.” Nessa época, Marilândia tinha, inclusive, mais moradores que hoje em dia. A pergunta que fica é: como eram as casas dessa população? Como se locomoviam? Como eram suas relações sociais? Queria muito dizer que sexta que vem tem a resposta num programa de televisão que passa depois da novela, mas infelizmente não. Em Marilândia não existe nem um casarão conservado para que essas questões sejam descobertas.

Cultura pra quem? Berço de quem? Em Marilândia existia, bem próximo de onde é o batalhão da polícia, a Igreja do Rosário. A construção abrigava as festas de reinado, manifestação forte de Marilândia. Segundo pesquisas feitas para o documentário “Histórias do Desterro” através de história oral, o templo, construído na segunda década do século XIX, sofreu um abatimento de terra que abalou suas estruturas, o condenando a morte. Isso aconteceu há pouco mais de 50 anos, em um passado bem recente. Nessa época, o distrito já pertencia ao município de Itapecerica.

Finalmente, é importante fazer uma linha do tempo. Em 02 de abril de 1754, o Desterro nasce com a provisão da capela e em 03 de abril de 1839, se torna freguesia. Oito anos depois, em 1847, é reconhecido como distrito. Nesses oito anos, houve um período que o Desterro foi classificado como Curato, mas Lázaro não especifica. Em 16 de setembro de 1870, 150 anos atrás, a paróquia era criada e somente em 1935, o Desterro se tornava Marilândia, terra de Maria. É muito tempo. É muita história!

De certo, depois de trezentas mil datas, é necessário que sempre cobremos o investimento em conservação do patrimônio histórico material e, claro, imaterial também. Sempre! Um povo que não tem referência histórica, é um povo sem identidade. Algum dia todos nós vamos virar história. Que podem ser lembradas, ou não.

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