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O lugar e sua constante (re) construção: um olhar regado de gratidão

Foto do escritor: Museu do DesterroMuseu do Desterro

A constatação de que quanto mais vivemos, mais nos afastamos do mundo que existia, me entristece. Essa também é uma das consequências da velhice que minha mãe mais se queixa: "A gente lembra dos nossos pais, avós, de tanta gente..." Ao mesmo tempo que novas pessoas se juntam a nossa caminhada, outras, infelizmente, ficam para trás. Aquelas que verdadeiramente guardam muito dos fatores de nossa essência, as novas, vêem apenas parte do resultado... E quando se nasce em um distrito quase tricentenário, com menos de 5 mil habitantes, essa sensação se acentua. São pessoas, personagens de nossa história que fazem ter orgulho de nossas raízes. Pertencimento que acentua nossa identidade e nos faz dar valor ao nosso lugar. Pois bem, hoje nos despedimos do Luiz Vieira. Um homem que vivia praticamente isolado na zona rural, na simplicidade, sem vizinhos, desapegado de vaidades, sem WhatsApp, Facebook, celular, tênis da Nike, carro, CNH, talvez nem soubesse quem é Messi... Quando criança dava medo de passar próximo a sua casa, porque ele poderia jogar pedra rs Antes ele ainda tinha a vizinhança de Joaquim Pacau (já o conheci senhor, baixinho e que adorava um cafezinho) e do seu irmão, João Gardino, que após a morte do Joaquim Pacau, passou a morar em Marilândia, próximo ao salão do Reinado. Era ele quem anunciava que as festividades estavam chegando, porque começava a bater sua tradicional Caixa. E o Nego Camargo? Até hoje quando se faz uma refeição muito boa, lembramos dele ao dizer que "nessas horas a gente tinha que ter dois estômagos"... Ele falava isso quando tinha os almoços de reinado e folia de reis, que ele acompanhava. Era um bom companheiro, sempre um dos últimos a se despedir, conta meu pai. Assim como esses, se foram tantos e tantas, cuja importância em minha vida se apresenta assim, em fragmentos sólidos. Pessoas com contornos, vozes, ensinamentos, características que as fazem tão grandes, únicas, um acalanto... Nossos antepassados são tão importantes que nunca somos somente "a Samara", por exemplo. Somos sempre, a Samara da Ducarmo, a Ducarmo da Tervina do Paulo Bernardo, Paulo Bernardo irmão do Juca Bernardo. Ou ainda, a Samara do Fizico, o Fizico do Bastião Nabuco. Às vezes, ou melhor, comumente, exclui-se o primeiro nome e somos reconhecidos somente pela nossa linhagem... Acho tão lindo quando alguém pergunta: "Mas você, é filha de quem?" Com orgulho falo essa minha árvore genealógica, mesmo que sequer tenha conhecido parte dela, mas sei, que para aquele(a) interlocutor(a), isso fala muito sobre mim e sobre o mundo que existia antes que eu chegasse. Mundo que precisa ser relembrado para referenciar o presente. Um mundo diferente deste mundo, mas dele parte sustancial, ainda que desconhecida. Por isso que, assim como Rodrigo Terra Cambará (personagem épico de Érico Veríssimo) quando lamenta a morte de Fandango, o último gaúcho legítimo, segundo ele, sentimos tanto sua consternação. Por isso que, quando nos despedimos de pessoas como Luiz Vieira, a tristeza é grande e também inevitável. Nos despedimos enquanto a vida/mundo segue seu curso, suas transformações nos deixam marcas. Cabe a nós, levarmos adiante esse legado até um dia, passarmos também o bastão.

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